Eu desperto
estranhamente cansado
Tentando
levantar meu corpo escuro,
Mas estou
completamente esticado
E em todos
os músculos estou duro.
Aquilo que
descobri é doloroso…
Transformei-me num verme monstruoso.
Devo estar a
sonhar e não acordei...
Ah, como é
triste ser-se vendedor.
Olhei para o
relógio e reparei
Que até estou
atrasado para me pôr
No segundo
comboio da manhã.
O que iria
ser da minha irmã?
O meu patrão
é severo e não aceita
Quaisquer
desculpas, atraso ou falha.
Todo o meu trabalho
é que sustenta
Minha
família e, para o que valha,
Sempre me
esforcei; quase nunca falto.
Minha mãe
preocupada grita-me alto
Pelo meu
atraso, ao qual eu respondo
Que estava
doente e já sairia do quarto.
Minha voz
mudara. Fiquei mal quando
Notei que o
meu chefe apareceu, farto,
Na minha
casa a reclamar de mim.
Rebolei para
sair da cama assim.
Por
insistência, co’ a boca abro a porta
E desculpo-me
pelo atraso e demora.
Com o choque
ficam co’ a cara morta.
Minha mãe
desmaiou ao me ver agora.
O chefe sai
disparado da casa...
Vou atrás
para explicar o que se passa,
Mas o meu
pai seguro bate-me
E enxota-me para
o meu velho quarto,
Movendo alta
porta, trancando-me.
Eu deito-me
esticado como um rato,
Ferido de
tão esforço e má vontade,
Fecho os
olhos para esta realidade.
Volto novamente
a acordar, mas eu
Continuo na
mesma forma grotesca.
Deixaram
leite que ninguém bebeu…
Eu não gosto
mais de comida fresca.
A minha irmã
passa a cuidar de mim
Sem que eu
nunca deixe ela ver-me assim.
Escondo-me
debaixo do sofá.
Pelas paredes, ouço-os a falar.
Dívidas
vão-se acumulando já,
Que mais de mim poderão esperar?
Sem culpa o
sonho dela vir a ser
Violinista
está a desaparecer.
Sou o único
que trás dinheiro nesta
Casa. A
minha irmã e o seu talento
De tocar
violino é o que me resta
Para eu
aguentar este desalento
De profissão,
à qual eu fui forçado,
Pois só
assim posso estar empregado.
O relógio avança
o tempo rápido
E habituo-me
a este estranho vulto.
Caminho
todas as paredes, ávido
De explorar.
Nem eu pareço um adulto.
Assim
removem a minha mobília...
Erro
desumano, minha família!
Tento salvar
quadro meu estimado,
Mas sem eu
querer minha mãe me vê.
Desmaia... e eu
então fujo alarmado.
Vou-me p’ra
cozinha como quem crê
Estar lá
seguro, mas o meu pai
Gigantesco,
sem medo, reage e vai
Buscar maças
que me atira zangado.
Pareciam
pedras a bater em mim.
No meu frio
dorso já fragilizado
Uma delas
até enterrou-se assim.
Como um
escravo em dores eu regresso
Para a divisão
a que só tenho acesso.
Para
ajudar-nos a pagar as contas,
Alugamos a
nossa casa a três
Senhores, e
com as suas coisas prontas,
Minha irmã
faz música. Desta vez
Deixaram a
porta aberta e sem pensar,
Saio do
quarto para a ouvir tocar.
Um dos hóspedes
conseguiu-me ver,
Que nem arte
souberam apreciar.
Cria-se um
alarme geral por meu ser.
Com queixas
saem da casa sem pagar.
Por querer
apoiar a minha irmã,
Pioro as
coisas com esperança vã.
Falam sobre
estarem fartos de mim.
De ser para
cada um deles só fardo,
De ser
melhor livrarem-se enfim
Desta coisa
que não sabe o estado
Em que os
deixa. Mas eu os compreendo.
Rastejo para
o meu quarto morrendo.
Sozinho, o
bicho morre de tal doença
E fome, no
seu quarto podre e sujo.
Talvez foi a
depressão ou a crença
De que seria
melhor sendo assim, cujo
Pai, mãe e
irmã ficaram aliviados
E sentem-se
agora bem alegrados.
A família
aproveita e vai passear
Pelos
campos. Decidem-se então
P’ra uma
casa mais pequena mudar,
E no
dinheiro terem boa gestão.
Era algo que
dantes era impossível,
Pelo ardor
de ter a coisa horrível.
Apesar de
toda a dificuldade
Que tiveram
de passar, sentem-se
Contentes.
Os pais pensam na idade,
Em como numa
mulher tornou-se
A filha. É a
altura de arranjar
Bom marido
para poder casar.
A Metamorfose (
Die Verwandlung) 1915, Franz Kafka.