13 de fevereiro de 2022

A Grande Cidade

À distância se erguem os grandes ninhos

Que juntos dançam civilização

E nessa saudade há mas um senão,

A que nós sempre estaremos sozinhos.


Luzes brilham e afastam nosso medo.

Cada vez sorrindo mais nos juntamos.

Cada vez mentindo mais nos soltamos.

As nossas almas levam tal segredo.


Eu na tua pele deixo minha marca,

Um desejo distante da cidade

Que vagueia junto com a minha sombra.


Neste mundo eu só posso ser monarca

Sentando-me no trono da vaidade,

Que mesmo a solidão também assombra.

9 de fevereiro de 2022

A Justiça

Liberto a alma

No dia do Juízo Final.

Venham então os deuses julgar-me afinal.

Podem pegar na balança com toda a calma,

O tempo aqui está parado.

Vejam o meu pecado.


Eu cego, surdo e mudo,

Sono de mil lamentações.

Para o meu sarcófago quis eu guardar tudo,

Pois até deixei escapar aquelas canções

De saudade e fantasia.

Era assim que dormia.


Pois eu já sei... já sei...

Desde que te vi que eu sei.

Desde que sorriste para mim que sou teu,

Que só a ti eu sou, que eu sou quem sempre tens...

Que sou eu quem mais te quer,

Seja onde eu estiver.


E se isso for errado

Ou só ficar no passado,

Que eles devorem rápido o meu coração.

Prefiro essa a minha sentença então,

Do que não te poder ter.

Do que nunca saber...

31 de janeiro de 2022

A despedida

Se eu pintasse a lembrança

De um adeus assim perdido,

Teria sempre a esperança

De relembrar contigo

A Mariana e o sol a por,

Os finos e o meu calor.

5 de novembro de 2020

A Libação

Cantem então, ó musas, meu delírio!

Escrevam a tal violência de irmãos

Que na guerra são sempre comida.

Ouçam vós antes meu lamento,

Que deles só restam ossos.


Sou herói funesto neste martírio

De na glória ter assassinas mãos.

Que dolo foi nossa nobre vida!

Eu derramo vinho sangrento

Na cova dos sonhos nossos.


O vosso prémio será este lírio

Que murchará como castigos vãos.

Afoguem a dor nesta bebida

E imortalizem o momento

De elegia destes colossos.

15 de outubro de 2020

A Torre

No cimo dum morro
Espoletou um feijão.
Sem haver socorro
Explodiu a sua paixão.

Até aos céus não subia sozinho
Pois às costas a mim carregava.
Livre libertava caminho.
Divinas asas voava.

Cresce o rio vital
Na primavera do sonho.
Dança o vendaval
No seu portento risonho.

"Maior o desejo, maior a queda",
Silvou a tragédia entre os caules.
Vergôntea vergonhosa empena.
Nasce o seio a tantos males.

Eu daqui de cima, 
Onde as 'strelas morrem só,
Sem poesia ou rima,
Sou velado por meu nó.

Na minha atalaia do desespero
Arranco o cerne dentro do peito.
Largo a mão ao calor sincero.
Serei ser sempre 'mperfeito.

Assim cai a semente.

3 de março de 2017

Prisão

Eu nunca andei descalço...
Nunca pisei a realidade,
Ou sofri o embaraço
De lutar pela liberdade.

A terra simplesmente aborrece.
Para quê lidar com coisas mundanas
Quando cá dentro tudo acontece
E neste espaço só tu é que mandas.

Aqui eu nunca estou sozinho...
A tristeza é algo do passado.
Aqui só existe um só caminho.
Nunca poderei ficar acabado.

Mas... porquê? Porquê?
Tudo aquilo que revira...
Não... não... e para quê?
Era tudo uma mentira...

Eu vou prender este meu velho peso
E esmagar entre os pés o meu coração!
Este é o momento do meu recomeço
E seguro toda a vida na minha mão!






2 de dezembro de 2015

O Tempo

Cai a chuva por entre os dedos.
Devagar... leva o meu pecado.
Cresci a todos os meus medos,
Mas não mudei nem um bocado.

O tempo foge...
Por estas mãos, estas ruas.
O tempo hoje,
É feito de palavras tuas.

Dei a volta a todo este mundo,
Mas só voltei ao mesmo lugar.
Com o bater de um segundo
Relembro-me do teu olhar.

O tempo corre...
E nunca vai deixar de voar.
O tempo morre
No que não se vai realizar.

24 de novembro de 2015

A Tristeza

Vieste dançar comigo
Novamente, minha amiga?
A minha única amiga...
Por ti, por ai, eu mendigo.

Sei que não adianta...
Só tu me compreendes.
Já que tu me prendes,
Cobre-me co'a manta.

Tenho medo do que seria
Se eu não te tivesse a ti.
Sempre contigo eu vivi,
Que és a minha companhia.

...No entanto... no entanto
Eu ainda não desisti
De correr e fugir de ti.
Já perdes-te o teu encanto...

Esconde os meus olhos, por favor.
Não aguento mais esta visão!
Nem a água tapa a solidão
De não saber o que é amor.

Eu já enjoei da tua beleza...
Talvez seja a minha fraqueza,
Talvez seja a minha moleza,
Mas não te quero mais, Tristeza!



14 de novembro de 2015

A Estátua

Deito-me sobre o braço
Neste chão molhado.
Pelos dedos faço um traço
Deste barro moldado.

Escondo a cara de vergonha
E soluço pelas respostas...
Este coração já não sonha.
Eu perdi todas as apostas...

Sou trinchado pela madeira
E escorro nu no bronze frio.
Não existe outra maneira
De sair deste maldito rio.

Para as estrelas emergem
Duas asas de mármore.
Pelas pernas divergem
As raízes duma árvore.

Feixes de luz aparecem
E mostram todo o esplendor...
Estes vincos que envelhecem
No belo corpo do escultor.

12 de novembro de 2015

A Porta

Quando sem companhia estou
Eu penso nessa minha porta...
Por de trás daquilo que eu sou,
A minha mente sempre corta.
Seguro a entrada com calma
E fecho toda a minha alma.

Há muitas coisas cá dentro...
Uma mesa, uma cadeira,
Livro para qualquer momento,
Um copo e uma lareira,
Mas janelas não tem...
Nem espaço para mais alguém.


7 de novembro de 2015

O Desaparecimento

Tive um sonho longo hoje.
Eras tu outra vez...
Mas, eras algo que foge,
Algo que tu não vês.

Porque é que ficas tu a chorar?
Sempre fui eu... sou só eu que
Tem este abismo pra carregar
Onde escondo tudo o que fique.

Porque é que a vida é luta constante?
Tenho de ser eu, ser apenas eu
Que segura nos braços de amante
Teu branco corpo que desvaneceu.

Cubro-te c'um véu todo o sofrimento...
Rendo-te à terra sem hesitar...
Esta noite vagueio com o vento...
Sei que não estarás ao acordar.




24 de outubro de 2015

Três Haiku

Força do sangue...
Esconde atrás dos olhos
O rugir dum leão.


O vento flutua
Como a sombra da vida...
O Sol faz vênia.


Lágrimas soltas...
Perdem-se'm negra chuva
Dessas memórias.

8 de agosto de 2015

O Sol

Por muito que me ignores,
Eu não consigo ignorar a vida,
Nem a tristeza que derrama
Em cima da terra e das flores,
Que para elas é querida
E a ti é simples lama...

Consegues acreditar?
Nem viste minha dualidade...
Entre ser vento ou tua chama,
Entre fugir ou a ti te salvar.
Rendi-me para a tua verdade,
Para que vivas entre quem te ama.

Serei o fértil solo
De raízes tuas.
Ignorado, sim...
Mas com consolo.
Sobre todas as ruas
Estará parte de mim...

Diz-me porquê, demónio.
Era meu destino ser assim?
Ser sempre invisível
A olhos de património...
Deixo apenas de mim
Ardente combustível.

Recebo-te Calor fatal
De braços abertos
E joelhos cançados...
Brilho agora, Sol astral,
Que de luz cobertos
Sóis iluminados.

A minha pele de madeira,
Os meus pulmões de carvão,
Os meus folêgos de fogo...
Até esta dor é brincadeira,
Que nem isto acalma então,
O grito em que me afogo.

3 de abril de 2015

A Viagem

Segue por caminho minha alma
Vagueando só, pelas montanhas.
Meu frágil ser que não se acalma
Nem nas vistas destas entranhas...

Pelo deserto, sol ardente,
Sacio a sede com esta areia.
Minhas pernas, por mais que tente,
Só se movem com a tua ideia...

Nas florestas que eu explorei
Sozinho, à negra procura,
Perdido em perigos, queimei
A chuva da minha loucura...

No meio do oceano que engoli,
Dissolvi lágrimas profundas
Abandonadas só por ti,
Esmagado em dores imundas...

No fim só te encontrei num sonho.
Dançavas num riso ignorante...
Feliz a memória que eu ponho
Para tal morte de um viajante...


3 de fevereiro de 2015

A Honra

Honrado iguala calado.
Respeito? Nomeio-te cobarde!
Revives caminho andado.
Acaba agora tua vontade
Porcausa da amada bondade?

Tanto que o teu ser
Não vive, mas mente.
Calma antes o viver
Que a Morte não sente,
A dor desta gente.

Sim, Sê.
Nua, crua...
Vê, Crê.
...Dor tua,
Não "sua".


26 de novembro de 2014

A Consciência

Estilhaçei todas as minhas memórias.
Procuro nos pedaços onde eu estou.

Eu não estou...

Pelo tempo, tantas são as histórias.
Procuro nelas saber quem eu sou.

Eu não sou...

Das histórias, tantas são as glórias!
Promessa de grandeza que ficou.

Mas eu nunca fiquei...

Não sinto prazer nem nas vitórias.
Não há chuva em quem não sonhou.

Mas eu sempre sonhei...


6 de novembro de 2014

Pax-Nemesis

O meu corpo...
O meu corpo é fraco.

Acordei para uma nova vida
E ainda assim, de mim não consegui fugir.
Com toda a vontade em mim contida,
Aterro e desfaço-me na terra, a cair.

Eu mutilei-me de qualquer fraqueza
E arranquei com unhas e dentes
O cobarde, o podre, a tristeza!
Mas corpo, porque me mentes...

Levanta-te, Levanta-te, Levanta-te!
Eu não sou o teu mero sacrifício!
Eu sou aquele que comanda-te!
Eu sou o criador de todo o meu início!

Faz de mim um mártir e vê,
O meu sorriso rasgado!
Não pode haver pior monstro
Do que o meu próprio corpo!

Carrego às costas a vida e porquê?
Eu quero torcer todo o meu fado,
Nunca fugindo ao seu encontro.
O destino nunca me verá morto!

Eu sou o meu pior inimigo!

28 de outubro de 2014

Eternamente...

Chegará o dia...
Em que acabará a minha melancolia.

Não mais terei eu de fingir sorrir,
Ou ter de voltar a sentir partir
O sangue, as lágrimas, o medo.

Não mais terei eu de querer ser,
Ou ter de voltar a ver sofrer,
O corte, as memórias, o segredo.

Chegará o dia...
Em que eu terei tudo o que eu queria.

Queria apenas, algures, ser completado.
A estranheza do meu peito não se acalma.
Por mais que eu lute, desfaz a minha alma.

Queria apenas, algures, ser procurado.
A minha mente é toda ela um trauma.
Por mais que eu tente, não levo a palma.

E enfim...
Chegará o dia
Em que eternamente eu morria.

24 de outubro de 2014

O Gato da Rua

Fora da minha casa,
Vive um gato da rua.
Sozinho ele passa
Pela noite escura.

Razão?
Razão ele recebe de todos.
É só um bicho que por aí anda,
Mas nas vontades ele não manda.

Atenção?
Atenção ele recebe de todos.
Uma festa, restos de comida.
Um pano para limpar a ferida.

Compaixão?
Compaixão ele recebe de todos.
Um "ohh" e um "coitadinho".
Um sentimento sempre fraquinho.

Informação?
Informação ele recebe de todos.
A que horas vêm e passam.
Quantas curvas pelas ruas traçam.

Compreensão?
Toda a gente o compreende.
Todos sabem que gato é gato,
Mas isso não é mais que um facto.

E então e a amizade?
Amizade só eu a dou,
Pois eu dou igualdade.
Irmão é aquilo que sou.

Eu tento-o conhecer,
Não lhe tiro a liberdade.
Muito menos digo saber
Aquilo que é na realidade.



14 de fevereiro de 2014

A Metamorfose



Eu desperto estranhamente cansado
Tentando levantar meu corpo escuro,
Mas estou completamente esticado
E em todos os músculos estou duro.
Aquilo que descobri é doloroso…
Transformei-me num verme monstruoso.

Devo estar a sonhar e não acordei...
Ah, como é triste ser-se vendedor.
Olhei para o relógio e reparei
Que até estou atrasado para me pôr
No segundo comboio da manhã.
O que iria ser da minha irmã?

O meu patrão é severo e não aceita
Quaisquer desculpas, atraso ou falha.
Todo o meu trabalho é que sustenta
Minha família e, para o que valha,
Sempre me esforcei; quase nunca falto.
Minha mãe preocupada grita-me alto

Pelo meu atraso, ao qual eu respondo
Que estava doente e já sairia do quarto.
Minha voz mudara. Fiquei mal quando
Notei que o meu chefe apareceu, farto,
Na minha casa a reclamar de mim.
Rebolei para sair da cama assim.

Por insistência, co’ a boca abro a porta
E desculpo-me pelo atraso e demora.
Com o choque ficam co’ a cara morta.
Minha mãe desmaiou ao me ver agora.
O chefe sai disparado da casa...
Vou atrás para explicar o que se passa,

Mas o meu pai seguro bate-me
E enxota-me para o meu velho quarto,
Movendo alta porta, trancando-me.
Eu deito-me esticado como um rato,
Ferido de tão esforço e má vontade,
Fecho os olhos para esta realidade.

Volto novamente a acordar, mas eu
Continuo na mesma forma grotesca.
Deixaram leite que ninguém bebeu…
Eu não gosto mais de comida fresca.
A minha irmã passa a cuidar de mim
Sem que eu nunca deixe ela ver-me assim.

Escondo-me debaixo do sofá.
Pelas paredes, ouço-os a falar.
Dívidas vão-se acumulando já,
Que mais de mim poderão esperar?
Sem culpa o sonho dela vir a ser
Violinista está a desaparecer.

Sou o único que trás dinheiro nesta
Casa. A minha irmã e o seu talento
De tocar violino é o que me resta
Para eu aguentar este desalento
De profissão, à qual eu fui forçado,
Pois só assim posso estar empregado.

O relógio avança o tempo rápido
E habituo-me a este estranho vulto.
Caminho todas as paredes, ávido
De explorar. Nem eu pareço um adulto.
Assim removem a minha mobília...
Erro desumano, minha família!

Tento salvar quadro meu estimado,
Mas sem eu querer minha mãe me vê.
Desmaia... e eu então fujo alarmado.
Vou-me p’ra cozinha como quem crê
Estar lá seguro, mas o meu pai
Gigantesco, sem medo, reage e vai

Buscar maças que me atira zangado.
Pareciam pedras a bater em mim.
No meu frio dorso já fragilizado
Uma delas até enterrou-se assim.
Como um escravo em dores eu regresso
Para a divisão a que só tenho acesso.

Para ajudar-nos a pagar as contas,
Alugamos a nossa casa a três
Senhores, e com as suas coisas prontas,
Minha irmã faz música. Desta vez
Deixaram a porta aberta e sem pensar,
Saio do quarto para a ouvir tocar.

Um dos hóspedes conseguiu-me ver,
Que nem arte souberam apreciar.
Cria-se um alarme geral por meu ser.
Com queixas saem da casa sem pagar.
Por querer apoiar a minha irmã,
Pioro as coisas com esperança vã.

Falam sobre estarem fartos de mim.
De ser para cada um deles só fardo,
De ser melhor livrarem-se enfim
Desta coisa que não sabe o estado
Em que os deixa. Mas eu os compreendo.
Rastejo para o meu quarto morrendo.

Sozinho, o bicho morre de tal doença
E fome, no seu quarto podre e sujo.
Talvez foi a depressão ou a crença
De que seria melhor sendo assim, cujo
Pai, mãe e irmã ficaram aliviados
E sentem-se agora bem alegrados.

A família aproveita e vai passear
Pelos campos. Decidem-se então
P’ra uma casa mais pequena mudar,
E no dinheiro terem boa gestão.
Era algo que dantes era impossível,
Pelo ardor de ter a coisa horrível.

Apesar de toda a dificuldade
Que tiveram de passar, sentem-se
Contentes. Os pais pensam na idade,
Em como numa mulher tornou-se
A filha. É a altura de arranjar
Bom marido para poder casar.

A Metamorfose (Die Verwandlung) 1915, Franz Kafka.

22 de junho de 2013

A Metástase

Andei, corro, cansar-me-ei.
Fugi, altero e acabei.

9 de abril de 2013

Agora...

Um super-predador...
É nisso que me tornei.
Um Deus de carne e dor:
Sangue de olhos que mudei.

Eu caço sem cansaços
As entrelaçadas teias
Das mentiras com laços.
Poder corre-me nas veias.

Já abri as minhas feridas
E a verdade espirrou fora.
Sou um ser de muitas vidas,
De muitas mortes, agora...

24 de março de 2013

Sentado...

Eu estive à tua espera.
Esperei a olhar as ruas
Porque já sei a fera
Que és, e nas tuas
Mãos eu fico.

Porquê, Tristeza?
Porque regressas com frieza?
Pareces ondas na minha água
Que não acabam nem com a mágua
De saber que voltas e vens sozinha.

16 de março de 2013

O Ciclo

Eu desloquei as minhas depressões.
Eu guardei numa caixa as desilusões.
Estou aberto, completo e perto
De tocar no meio do incerto.

Mais próximo do futuro,
Um sentimento que perduro
Numa fração de um segundo:
Renasce o ser fecundo...

A Vida...

Começa quente, ardente e imortal.
Revive qualquer alma gelada
E abre qualquer porta selada.
Faz as chamas muito estranhas.
Abre-se completamente a tal.

Depois arrefece e habitua-se
Ao mesmo passo de cada dia
E à mesma cor e monotonia.
Morre e não notamos nas
Tristezas, e perturbasse.

No fim tudo é apenas dor,
Com olhos fechados e molhados,
Desejos fracassados e alterados,
E as feridas secam-se. Mas
Tem que ser assim, um ardor.

23 de fevereiro de 2013

Uma Mensagem

São as vontades que dominam o Mundo
(As vontades de um sonho profundo
Que não mudam num só segundo)
E fazem toda a alma silenciosa
De mim, de ela toda que é poderosa.

28 de janeiro de 2013

A Ilusão


A ilusão é mais profunda que o bem.
São os fantasmas que pelos quais rezamos
E a inocência que uma chama azul tem
Na sua dança de cor e movimentos.

O Amor é algo como qualquer pecado,
E nada mais triste do que saber
Que nós podemos rebolar quando
Estamos desconfortáveis de ver.

Mas por detrás de qualquer ilusão
Esconde-se nova oportunidade
De se abrir a alma para evolução
Ou de se morder a língua à maldade.

26 de janeiro de 2013

Três Oitavas

Existe uma música para cada
Memória ou futuro esquecido.
Há desejos para a alma inacabada
Que se perdem por um fulgor rendido.
Há medo, há nojo, há uma facada
Para cada sentimento mendigo,
E nas caras não há maior terror assim
Do que ver o diabólico que há em mim.


As certezas da vida são implacáveis
E só duas consigo entender.
Primeiro, é que se vivos estaréis,
Então mortos um dia vos ides ver
Quer sejais pobres ou sejais reis.
Sem fuga ou luta, fará doer.
A segunda, se uma maça podre está,
P'ra todo o sempre podre ficará.



O tempo é uma donzela de requinte
E sublime perfeição metamórfica.
Pede-nos para dançar inesperadamente
E deixa-nos um cheiro doce quando fica.
É frágil mas dominante, e pode-nos deixar um travo
De dor quando, com um olhar, no coração belisca.
O tempo é uma senhora de ouro bruto
Que perdoa ou espezinha com um pé curto.

27 de dezembro de 2012

A Religião

És feia, és implacável e rude.
Tanto em teu nome se sacrificam
Os corações e os olhos aguados.
Tanto de ti que morre e sonha.

Esperamos que se mude,
Que seja verdadeira e vivam
As crenças e os desejos passados,
Mas o ser humano é uma vergonha.

Eu falo para ti Religião ou Fé,
Eu falo para nós que somos tu.
Que tortura queres mais?
Sempre nos maltratamos assim.

Eu sou carne e osso, e até
Sou de vontades, assim cru.
Pertenço a outro tipo de animais
Em que acreditar é ter um fim.

9 de dezembro de 2012

O Lírio

Encontrei uma memória
Dentro de um novo eu.
Eu queria acreditar nela,
Mas era apenas uma dor.

Lembrava-me de mim
Com cores e membros,
Mas escondia o céu encarnado
Das minhas tripas e desejos.
 

Tendo uma vida simplória
Onde nada se perdeu,
Então nada se ganhou com ela,
Apenas se vagueou um fulgor.

É triste alguém ser assim
Porque esconde pensamentos.
Sou livre, e por isso sou assombrado,
Porque fico perdido em segredos.

O Esforço

Escondo-me em posição fetal
Com dores nos músculos,
Doridos de esforço mental,
De corridas e pulos.


(Os solenes problemas
Que nunca me interessaram.
Os suaves hematomas
Que sempre me aborreceram).

Vergonha nas minhas pernas...
De tanto fazer, deixo de sentir.
Alegria vem quando vejo penas
Que relembram o meu partir.

Memórias fragmentadas
Que fogem em cada passo,
Nelas muito foram forçadas
Chagas por eu ser falso...

Sente, arde e desmente,
Cada fingimento e presente.
Corre e deixa a mente...
O horizonte aberto à frente.

10 de novembro de 2011

O Choro

Ouve-se aquele sinal,
O choro do começo.
A tentativa desesperada
Para sobreviver, novamente.

Depois, a calma normal,
O alívio e o descanço.
A felicidade exagerada.
A proteção importante.

Um novo ser nasceu,
Um novo amor apareceu.
Novos olhos que choram,
Que do qual não terão fim.

O choro sempre cresceu
Enquando a sua mente viveu,
Mudava só a forma. Foram
Anos e anos de vida assim.

Desde a nascença até adulto,
Sempre chorou, sempre riu.
O choro fazia-o mais chorar.
O riso fazia-o antes sonhar.

Sentiu-se um vazio oculto
Todas as vezes que ele sorriu,
Porque embora ele soubesse amar,
Ele não conseguia parar de chorar.

8 de agosto de 2011

O Vermelho

Um estrondo ensurdecedor passou,
Antes que eu pudesse pensar e agir.
Os motivos insignificantes ele gritou,
Antes de disparar a sua arma e fugir.

Avermelhado e latejante, rondava,
Formava-se à volta de todo eu.
Eu sentia, eu via, como dançava.
Era melancólico... da carne era meu.

Depois, tombei, como um peso insensível.
Tudo a minha volta rodava, tudo alterado.
Sabia o que me iria acontecer. O inevitável,
Era o meu desvanecimento... ensaguentado.

Cada vez que respirava, mais ainda sentia
A dor a aumentar, o meu sangue a espirrar.
Mas não se comparava à dor que me fazia
O meu bolso... A carta que nunca iria acabar.

2 de agosto de 2011

À Noite...

Vazio, esperava por nada,
Frente ao imenso rio colossal.
Olhava, com a cara molhada,
Mas com o corpo seco, imaterial.

O céu escuro e gigante por cima,
O rio negro e esfomeado por baixo.
Não pensava... nem vivo estava o clima.
Eu entendi que em nada me encaixo.

Estava rente à água dominante,
E saltei num segundo, rapidamente.
Agora, imerso completamente,
Abracei o que me iria tirar a vida.

Abri os meus olhos lentamente.
Vi o mundo dentro de mim. Saída
De um sonho, uma Deva apareceu
E separou-me do meu assassino.

Amei-a pela importância que me deu,
Amou-me pelo triste e pequenino
Ser que eu era. Até parece que a vejo,
Corpo de fada e um sorriso de anjo.

27 de abril de 2011

A Música

Flutua no ar uma passiva sensação
Como se o Mundo só agora acordasse,
Mostrando as suas cores, e apagasse
As memórias em tão vaga vibração.

Não se entende, só há a contemplação
Daquele que ouve e sente. Se eu pudesse
Dizia como me sinto. Se soubesse
Explicaria o porquê da imaginação.

Mas apenas se conhece as emoções
Cada vez que a música nos penetra,
E leva-nos aonde nós nunca iríamos.

Ninguém sabe a magia das lindas canções,
A vida só em que nelas se encontra,
Pois, sem o ritmo, o que é que nós seríamos?

15 de abril de 2011

Assim Se Diz...

O copo caído no chão, perdido. Surpresa
Apanhou a Vida e tirou-a como foice morta.
A verdade era horrível. Na minha porta,
Via como estava escondida a minha fraqueza.

No vidro partido, reflectia-me pobreza.
Agora está tudo nú, sem ilusões, corta
E destrói, histérico, cabeça entorta.
Perdi só uma coisa, mas fiquei sem riqueza.

Acordei, e descobri só sonho maléfico
Com a lição importante: só a vida vale.
Aprendi agora que a tua morte seria meu fim.

Sentiria-me inútil, com nada, patético,
Vazio, colérico, seria desgosto de mal,
Mas a vida não me poderia trair assim.

3 de abril de 2011

Assim Se Ouvia...

Começou por ser estranha, vaga sensação.
Cansados olhos sonolentos que fechavam.
O Mundo já nada me dizia, não falavam
As flores do dia, as cores, só um furacão.

Não entendo porquê, é frontal realização,
Já não sinto terror, nem o medo de sempre.
Os olhos já não podem, Morte passa rente,
E Tremo, e sinto um grande ataque de coração.

Agora não penso, não sinto, não há mente.
Tantos anos vividos, tantas coisas tidas.
Agora não há vida, só triste solidão.

Agora já não choro, não há mais quente,
Não há lutas vencidas, nem guerras perdidas,
Só o prazer daquela horrível libertação.

9 de março de 2011

A Mente

O que resta depois de se retirar toda aquela normalidade que está impregnada na vida, passar pelo mecânico e pelo hábito, pelo nome, pela idade, pelos reles adjectivos e qualidades, deixar tudo ir e parar de ser importante? O que restava era apenas um ser imperfeito com um sentimento nostálgico de uma memória passada, memória triste que originava saudade, mas saudade de quê? Qual é este sentimento confuso de cada vez que me deixo ir, de cada vez que o vazio me preenche, de cada vez que tudo se torna monótono? Aquele sentimento que tenta sempre responder à pergunta, quem sou eu? O eu que todos somos...

3 de março de 2011

A Solidão

Aquela dor afiada do teu ser, horrível.
Ela não usa máscara, profunda, terrível,
Vê-se perfeitamente as suas cores e cicatrizes.
Nem se esconde na tua pureza,
Nem se muda todas aquelas vezes.
Sempre te fez chorar, com a maior frieza,
Que da culpa só a detém a fraqueza.

Não chores mais, que a fraqueza não é só tua.
Sempre permaneceu nos nossos corações, crua,
Triste, afogada no mar do silêncio e da amargura.
Que dor tão contagiosa, naquele abismo da escuridão.
Quando te vejo assim, espetam-me mil facas no coração.
Embora seja tua, é sentida por todos, a apática solidão.

27 de fevereiro de 2011

A Mulher

Por uns momentos,
Eu imaginei como seria
Se ela fosse real.
Tanto quanto eu podia,
Eu tentava ser normal.

Mas os terríveis dias
Mostravam-me sempre a verdade,
De que nada estava a acontecer.
Sonhei como ficarias
Se eu pudesse ter-te na irrealidade.

Podias oferecer-me uma fuga?
Aquele vazio só nos está a destruir,
E eu só queria encontrar-te.
Sempre esperei um dia conseguir
Pegar em ti e salvar-te,
Agora que nada me salva a mim.

Apenas não saias, que agora estou aqui.
Sempre esperei assombrado
E desprotegido, num abismo em que fingi
Que nunca estive assustado.

Todos os meus pecados transparentes,
Todo aquele monstro que sempre fui,
Cuidadoso para não cair. Cadentes
Aqueles mundos que via no céu,
Pedia para estar num destes,
Onde talvez sentiria a minha alegria.

25 de dezembro de 2010

Consegues Ver?

Estas letras aqui não existem,
Não as consigo entender.
Isto é tudo um sonho, mas elas persistem
Com perguntas que me fazem enlouquecer.

As palavras têm um poder especial
E irrompem de maneira que o corpo não consegue.
Parece-me isto uma maneira irreal
De descançar na tua alma até que tudo se cegue.

E há medida que dançamos a dança do Tempo,
Mais me apercebo do quanto isto é importante.
Mesmo que eu não esteja no papel, estou em ti, lento,
Muito lento, a crescer, a mudar, um fenómeno constante.

Esta habilidade está dentro de todos nós,
Mas isto não é uma mensagem de esperança,
É apenas uma realidade que não existe,
Muito é ignorada, que verdade tão triste.

2 de dezembro de 2010

Olha!

A paisagem aqui é tão linda!
Promete-me que um dia voltaremos cá.
Eu sinto que é um lugar especial.
Se pudessemos ficar aqui para sempre...

Mas é um bela paisagem, de verdade.
Dizem que se transforma num sítio horrível
No Inverno, de noite, mas eu não quero acreditar.
Dizem que todo o mundo fica estranho.

Queres mesmo tomar conta de mim?
Podes ir lá para fora, se quiseres.
Não quero ser um fardo para ti.

É uma pena que tenhamos de regressar.

3 de outubro de 2010

A Natureza

Eu costumava voar
Tão alto,
Tao grande,
Agora vejo-me sem penas,
Tão vago,
Tao pequeno,
E eu gosto, porque sem voar,
Sou capaz de dormir,
De sonhar.
Sou capaz de ser humilde,
De receber perdão,
E tudo porque
Cai ao chão.


Porque corres, homem?
Porque continuas, insecto?
Poruqe não desistes?
Preferes chorar, insignificante?
Claro que preferes, viajante.
É a tua maneira de viver, e insistes
A mudar todas as leis de injustiça.
Mesmo que não te apercebas, formiga,
Tens o maior poder que existe,
O poder de sentir, o poder da vida.


Pela maneira como anda,
Sei que não se importa.
Pela maneira como não fala,
É uma linha torta.
Caiu numa espiral de indiferença,
Fechou por completo a porta.
Mas, mesmo assim, sinto que
A sua alma não está morta,
Quando, de forma especial, sorria,
Matava-me por dentro, eu morria.
E depois, eu renascia.

2 de outubro de 2010

O Humano

Instrumento de dor,
Corta como se fosse vento.
Pioneiros de talento,
Mudam o mundo sonolento,
Com o seu desejo comedor.

Como é que um génio pensa?
O génio não se reconhece como génio,
Mas antes, é uma pessoa com pesada sentença
De pensar diferente, eliminar o tédio.
Ironicamente, nunca se apercebendo,
Da sua parafilia, do seu medo horrendo.

As pessoas juntam-se e lutam,
Gritam pela sua vitória, pelas suas missões.
Batem-se e estalam-se aos trambulhões.
Tudo aquilo por que pensam viver, as suas razões,
Sao mentiras, ilusões.
É apenas instintivo combater e continuar,
Aproveitar qualquer motivo para matar.
Será que alguma vez podemos mudar?

Uma Colecção

A mente numa mão,
O coração na outra oposta,
A forma como as duas se dão,
Criam e definem a pessoa composta.
Quem sou eu? Respondido sem razão.
Entendo que eu sou mente,
E que eu sou paixão.


Se te apetece voar,
Voa alto com as asas abertas.
Faz de ti sem ouvidos para eles,
Pois tu és luz suprema destas
Estrelas de dogmatismo deles.
Faz de ti Encantamento de Multidões,
Pois tu és diferente ao tentar
O que só foi tentado por imaginações.


As nuvens mexem-se ao seu ritmo.
Quem és tu para apressá-las?
Quem és tu para mudá-las?
Aceita quem elas são e quem tu és,
A pessoa simples que tenta mudar.
A pessoa impaciente a esperar,
Para que algo diferente aconteça,
Para além das nuvens mexerem-se,
Para além das nuvens conterem-se,
No céu monótono de ti próprio.


As cordas da música mexem-se no ar,
E sentes as vibrações a entrar no corpo.
A encher como água,
A movimentar como fogo.
Energia invisível de infinitas proporções,
Liga-te ao mundo, abre as sensações.


Se tudo fosse igual,
Quem seria diferente?
Se tudo fosse alegria,
Quem seria dor?
Como podes ter medo de cair,
Se cair existe para ti?
Como é que sentes vergonha,
Se a vergonha és tu próprio?

Um Aglumerado

Temos seis sentidos:
O olfacto para recepção,
O paladar para a comunicação,
Os olhos para dormir,
Os ouvidos para colorir,
O tacto para poder,
E o pensamento para viver.
Aí se encontra o equilíbrio.


Que controlo mais absurdo,
Porque não abraçar e confiar
Na brisa que corrompe e esquece,
Aquela que nos leva onde nos levar,
No único sítio onde se escusa pensar.
Libertamos-nos desse controlo de falsa importância,
E conseguimos felicidade na sua ignorância.


Tantas Histórias para conhecer.
O desejo fútil de as saber todas,
É o desejo de viver eternamente,
De ser tudo e omnisciente.
Aí adicionado o elemento psíquico,
Tornei-me num megalomaníaco.


Grande coisa o contentamento,
(Objectivo Final Humanitário)
Dado a quem está fechado.
Taciturno, Lânguido, Melancólico,
Descreve quem já sabe e
Perdeu interesse na monotonia.
Redundância vivemos,
E haverá alguém, pelo menos,
Que chega e vira tudo ao contrário.


A tristeza não é para ser desprezada,
Mas sim, aceitada, chorada, libertada.
É mais uma emoção humana,
Em que estranhamente se chora vida.
Vida essa negligenciada, salgada.
Vida essa que será renascida,
Porque quem nunca sofreu,
Nunca amou, nunca viveu.